5 de fevereiro de 2015

Dolorosa viagem no tempo...



Quero falar-vos de uma viagem no tempo, bastante dolorosa, que fiz o mês passado, e nem sei bem como começar...

Sempre ouvi dizer, acho que em filmes, qua não devemos voltar  a locais onde fomos muito felizes. Mas eu não percebia o porque desta frase feita. Pensava, por exemplo, no caso de Florença. Cidade onde vivi durante 4 anos, onde tive bons e maus momentos, mas onde eu considero que fui muito Feliz e onde adoro regressar, a última vez foi em Dezembro do último ano. Claro que consigo perceber e vivenciar Florença de outra forma, mas gosto dessa mesma sensação. E era por isso que não percebia a frase escrita acima.
Mas, esta frase começou  a fazer sentido, quando no passado mês de Janeiro regressei a um local muito importante da minha infância, um local onde fui muito feliz e do qual só guardo boas memórias. Mas, desta vez, regressar lá, passados muitos, muitos anos, foi uma dolorosa viagem no tempo ...

Passei todos os verões da minha infância, no monte onde viviam os meus avós. O Monte do Algareme. Um monte enorme, onde, no passado, viveram muitas famílias. No Monte do Algareme, aprendi a gostar do contacto com a natureza, apanhei rãs e insectos, mergulhei em ribeiras e canais de rega. Aprendi o que é viver sem luz e sem água. Admirei o mais estrelado dos céus e vi o Sol nascer. Procurei tesouros. Passei horas no baloiço que tínhamos  numa árvore, situada mesmo em frente de casa. Corri e saltei pela rua do Monte, na companhia de primos e de uma amiga (isto quando o casal de gansos não se apoderavam de toda a rua, num percurso incansável, e ai o espaço era mesmo só deles...).
Só o recordar destes momentos, desta vida tão simples, faz-me sorrir e viajar para aquele tempo maravilhoso. Tempo em que tudo estava bem, em que os dias eram enormes e todos os momentos aproveitados com brincadeiras e gargalhadas.

Com a morte dos meus avós e de outros familiares, associado a variadíssimos outros motivos, acabámos por perder a vontade de regressar ao monte...
Mas a minha família não foi a única, como referi, era um monte enorme. E, com o tempo, todos os moradores o foram abandonando. E já se sabe o que acontece a casas abandonadas. Inevitavelmente, o tempo degrada e a natureza acaba por apoderar-se do espaço...


Foi com este conhecimento e com alguma descrição do estado do monte (por parte de uma prima que, no ano passado, lá tinha estado), que num frio e chuvoso fim-de-semana de Janeiro, resolvi regressar, ou melhor, resolvi fazer uma visita de despedida ao, pouco que resta do, Monte do Algareme.
Eu tinha uma noção do estado em que poderia estar, mas, pensar como pode estar e ver a realidade é bem diferente. E foi de forma muito emocionada que voltei a entrar naquelas casas, que agora não são mais do que paredes destruídas, telhados caídos...Casas em ruínas, abandonadas pelas pessoas e pelo tempo. 

Casas e divisões, que no passado me pareciam enormes e que, agora, me pareciam bem menores... Apesar de destruídas pelo tempo, consegui revê-las como eram no passado, como estavam arrumadas, onde estava cada objeto. Consegui sentir os cheiros e a luz de outro tempo...Viajei no tempo, viajei para os dias simples e despreocupados da infância, mas contrariamente a esse tempo, senti-me infeliz! Infeliz, porque todos nós, os que lá viveram ou passaram parte da sua vida, permitimos que  o tempo apenas nos deixasse memórias.



O regressar à infância não se limitou aos momentos em que entrei em casa. Esse regresso começou durante a viagem até lá chegar. Começou como sempre, naqueles dias em que íamos de férias para o Monte, com  a espectativa de dias de pura  alegria, brincadeiras e liberdade.

Quando entrei no carro, naquele dia,  voltei  a ter 5 ou 6 anos... E quando cheguei a um momento, em concreto, do percurso, aqueles eram os mesmos campos, com as mesmas culturas e os seus canais de rega, aquelas eram as mesmas árvores e as mesmas aves a cantar. Aquela era  a enorme poça de água, junto à estação dos comboios, que o carro tinha de atravessar, provocando o mesmo som da água a saltar. 


Naquele dia, éramos quatro dentro do carro, mas tenho  a certeza que  a viagem não foi igual para todos. Para o Filipe e os pais, foi apenas o constatar que o Monte do Algareme é um monte abandonado e em ruínas...Mas para mim, foi muito mais. Foi recordar todas as boas memórias. Foi recordar tudo o que vivi e aprendi nos dias felizes que ali passei. Foi recordar, com imensa saudade, os meus avós. E foi, acima de tudo, dizer adeus ao que resta de um tempo em que havia tempo para tudo!!


2 comentários:

  1. Fiquei sem palavras. Depois do que li e vi nem sei bem o que hei-de escrever! Nem sei explicar o que senti enquanto lia o que escreveste, senti angustia. Tive que analisar a tua escrita como uma coisa maravilhosa. Então! consegui ver nas traseiras do monte na direcção da casa que habitava, uma hortinha que todos os anos semeávamos as alfaces, alhos, cebolas, favas, ervilhas e batatas, não me esquecendo do cheiro dos coentros e da salsa. Tudo aquilo era um desenho geométrico. Fechei os olhos e senti o mesmo cheiro. Parabéns pela tua belíssima reportagem. NÃO TENHO MAIS PALAVRAS. José Carlos Ramos

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    1. Obrigada Primo Zé Carlos!! Fico feliz, por esta minha viagem, ainda que dolorosa, tenha servido para nos fazer viajar no tempo...Fico feliz por ter conseguido 'visualizar' a sua horta e sentir os mesmos cheiros!! :-)
      E amanhã, gostaria de publicar, aqui no blog, o seu poema sobre o "Monte Velhinho do Algareme".

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